Ayrton Senna - Nuno Cobra

Logo ficou claro que Ayrton Senna teria que melhorar seu preparo físico, e ele foi procurar o maior especialista da época

Uma minissérie espetacular, emocionante, com tantos temas excelentes para explorar, e a galera só fala do que ficou de fora. Então vamos trazer mais um personagem que a série ignorou: o preparador físico Nuno Cobra.

Essa história começa depois da bandeirada do GP da África do Sul, no dia 4 de abril de 1984. Segundo o livro “Ayrton, o Herói Revelado”, do jornalista Ernesto Rodrigues, várias pessoas correram para cumprimentar Ayrton pelo resultado na prova onde ele conseguiria seu primeiro ponto na F1. O jornalista Reginaldo Leme foi um deles. Encontrou Senna implorando: “Estou muito mal, estou muito mal, me leva para o hospital”. Senna desmaiou sobre o volante. Mais de duas horas depois de terminada a corrida ele ainda teve que ser amparado por Galvão Bueno e Reginaldo Leme para andar pelo paddock. O diretor da Toleman foi direto: “Você precisa se preparar. É isso que os pilotos fazem”.

No verão daquela ano Senna começaria a trabalhar com o preparador físico Nuno Cobra em São Paulo. Cobra havia sido decatleta, se formou em educação física e seu trabalho de pesquisa era no tênis, modalidade na qual já fora – e depois continuaria sendo – preparador físico de vários atletas. Seu treinamento se baseava na premissa de que se o atleta estivesse muito bem condicionado fisicamente, sendo capaz de manter seus batimentos cardíacos baixos mesmo em momentos de esforço intenso, seu cérebro jamais teria déficit de oxigênio, e portanto funcionaria melhor, levando a melhores decisões. O conceito é banal hoje em dia, mas em 1984 ainda não era tão difundido, pelo menos no Brasil.

Quando entendeu o quanto o corpo do piloto era exigido na corrida, e viu a situação física de Senna, Nunca Cobra não ficou otimista. Como fazer daquele rapaz raquítico de 24 anos um superatleta? Só quando realmente começou o trabalho é que Cobra percebeu a destreza e, acima de tudo, a determinação de Senna, entendeu que havia um caminho. Senna se dedicou aos trabalho com Nuno Cobra de forma obsessiva, e mesmo assim foram vários anos até que ele atingisse uma condição física espetacular.

Mais ou menos na mesma época aconteceu outro episódio no qual Nuno Cobra foi fundamental – quando Senna sofreu a paralisia facial, no final daquele ano de 1984. Senna ficou muito abalado com o incidente e parou os treinos físicos, ficou vários dias sem aparecer. Nuno Cobra foi buscá-lo para dar uma volta de carro e acabou encostando ao lado da pista de Cooper onde treinavam. Senna protestou: “Olha o que você fez! Me trouxe aqui. Eu não queria. Nem sei como você conseguiu. Não quero mais saber de nada. Estou de saco cheio. Não consigo nem falar!”

Nuno Cobra fez de tudo. Levou Senna para assistir os treinamos do tenista César Kist, para que ele entendesse o processo de um atleta que estava mais avançado. Contava uma história de superação atrás da outra, no melhor espírito dos gurus de autoajuda. E começou um programa de treinos leve, que aos poucos foi evoluindo para desafios mais fortes. Demorou cinco meses para que Senna saísse daquela depressão, período no qual a paralisia facial também foi melhorando aos poucos.

A colaboração com Senna deu a Nuno Cobra uma grande visibilidade e ele trabalhou com outros pilotos como Mika Hakkinen, Rubens Barrichello, Christian Fittipaldi e Gil de Ferran, e tenistas como Cassio Motta, Jaime Oncins e Patricia Medrado. Seu livro “A Semente da Vitória” foi um sucesso editorial apesar de trazer muito pouco do seu método esportivo, e se focar mais na sua visão de que a preparação do corpo e da mente tem que acontecer em paralelo.

Há alguns anos Nuno Cobra vem sofrendo uma série de acusações de assédio e abuso sexual, que sua família credita a efeitos da senilidade – o treinador está com 86 anos. Pode ser essa a razão para os produtores da série escolherem deixar esse aspecto da carreira de Senna de fora. São decisões que precisam ser tomadas, mas seria rico o público entender que se você quer ter uma performance de altíssimo nível precisa se preparar para isso, e buscar ajuda profissional é o melhor caminho.

O que lembrar: quando Senna entendeu que precisava melhorar seu preparo físico, foi procurar a maior autoridade no assunto no Brasil. E seguiu o treinamento de maneira obsessiva. Sua performance atrás do volante não era só coragem e talento, era também resultado de trabalho físico pesado, que aos poucos foi sendo outro dos seus diferenciais.