Daniel Kahneman - Amos Tversky
Um seminário na Universidade de Tel Aviv foi palco do encontro que mudou os rumos da psicologia cognitiva e rendeu um Nobel
Amos Tversky era a estrela da universidade de Tel Aviv no final dos anos 1960. Herói de guerra, alto, galante, piadista, todos diziam que Tversky era a pessoa mais inteligente que eles haviam encontrado na vida. Daniel Kahneman, então um professor em início de carreira, organizava seminários no seu curso, e quando convidou Tversky a expectativa era muito alta. O tema da pesquisa de Tversky era a maneira como as pessoas lidam intuitivamente com dados estatisticos. Ele trabalhava com perguntas do tipo: “Nos EUA existem mais assassinatos ou mais suicídios por armas de fogo?” No seminário de Kahneman, Tversky defendeu que as pessoas lidariam bem com dados estatístico dos quais não tinham conhecimento real. Kahneman discordou enfaticamente. No seu livro “Rápido e devagar” Kahneman diz que se tratou de um debate de ideias, mas quem testemunhou garante que os decibéis subiram mais do que normalmente se vê nas discussões acadêmicas.
Passou uma semana e Tversky procurou Kahneman para falar mais sobre o assunto. A conversa foi espichando, eles começaram a trabalhar juntos. Ao longo da década de 1970 eles e escreveram oito papers que mudaram a história da psicologia cognitiva e, mais tarde, ajudariam a criar um novo campo de estudo, a economia comportamental. Eles trabalharam com dois temas. O primeiro: como a gente monta uma percepção das coisas que estão fora da nossa experiência imediata – uma extensão do tema da estatística intuitiva. Em geral a resposta é que existem mais assassinatos do que suicídios por armas de fogo nos EUA – quando a realidade é que existe o dobro de suicídios. Ou seja, somos péssimos em avaliar dados fora da nossa emperiência direta; entram em cena os “vieses” (bias, em inglês) que embotam nosso entendimento da realidade. Eles também trabalharam com a mecânica do processo de tomada de decisão, pesquisa que gerou o livro clássico de Kahneman, “Rápido e Devagar”.
Nos anos de 1970 os dois trabalharam juntos na Universidade Hebraica de Tel Aviv, mas na década seguinte resolveram emigrar para os EUA onde a vida universitária oferecia uma perspectiva melhor. Tversky, que era a estrela da dupla, logo arrumou uma posição na universidade de Stanford, enquanto Kahneman só conseguiu uma vaga no Canadá, numa universidade de segunda linha. Tversky, numa universidade de ponta num país de mais recursos logo começou a brilhar, e Kahneman foi ficando mordido. Os dois foram se distanciando e um dia, em 1995, Kahneman falou: “Pra mim chega, não trabalho mais com você”.
A briga durou pouco. Uma semana depois Kahneman atendeu o telefone, era Tversky. Ele foi direto, como os israelenses costumam ser: “Estou com câncer e tenho seis meses de vida. Nesse período quero fazer um trabalho com você”. Os últimos dias da vida de Tversky foram dedicados a esse trabalho.
Quando Kahneman ganhou o prêmio Nobel de Economia, em 2002, fez questão de abrir seu discurso com o reconhecimento de que aquele prêmio era devido aos dois. Em 1979, Kahneman e Tversky publicaram na revista acadêmica Econometrica o artigo “Teoria da Perspectiva: Uma Análise de Decisões sob Risco”, em que demonstram que as decisões humanas podem divergir sistematicamente das previsões da teoria econômica tradicional, propondo uma alternativa, a “Teoria da Perspectiva”. Essa pesquisa foi a principal motivação do prêmio. Kahneman estava sozinho naquele púlpito somente pelo detalhe de que, por força do seu estatuto, só pode concorrer ao Nobel quem está vivo.
O Michael Lewis escreveu um bom livro sobre essa amizade.